Lembro de uma vez em que conheci um empreendedor que tinha o hábito de perguntar a seus clientes após receber um pedido de orçamento: “Prezado, eu consigo resolver seu problema. Mas, para isso, você precisa escolher apenas duas das três opções: você quer preço, prazo ou qualidade”?

Por muito tempo, me perguntei se o empreendedor estava correto em perguntar de forma tão direta isso ao cliente. Afinal, considerar a entrega de um produto de qualidade inferior, oferecer um valor barato demais ou sugerir um grande prazo poderia afetar significativamente a percepção de valor do cliente sobre o produto final?

Por muito tempo achei que sim, mas comecei a reparar que na verdade essa pergunta é respondida implicitamente e diariamente quando o cliente decide comprar o produto A em detrimento do produto B. Na verdade, cada consumidor tem uma própria percepção de valor sobre cada produto. Ou seja, cada cliente tem um problema (que não necessariamente é igual ao de outros consumidores do mesmo produto) e muitas vezes a dor sentida por esse problema é medida em menor ou maior escala.

Foi aí que “desencanei” dessa questão e, ao desviar o foco da minha análise, comecei a perceber que a proposta de valor de uma empresa poderia ser medida através de diversas formas e quantidades, não se restringindo somente à uma, duas ou três. Podem existir exemplos de empresas muito bem-sucedidas que fazem apenas uma coisa muito bem e outras que fazem diversas coisas ao mesmo tempo com alto grau de qualidade.

Existe uma longa discussão bibliográfica sobre esse assunto. Michael Porter, o pai do termo vantagem competitiva, é leitura obrigatória para qualquer estrategista que queira aprender mais sobre o tema. Mas o principal objetivo deste artigo é ajudá-lo apontando diferentes formas que uma empresa pode se diferenciar e propor uma autorreflexão a partir do momento em que você tem clareza sobre quais são os diferenciais da sua empresa. Investir no desenvolvimento de vantagens competitivas sustentáveis no longo prazo é o que garante o crescimento de uma empresa bem-sucedida e permite o aumento da barreira de entrada para novos entrantes.

  1. Preço: A sua empresa fornece produtos / serviços de valor semelhante ao de concorrentes, mas a um preço inferior (por exemplo na aviação civil, Southwest, EasyJet, Ryanair, que oferecem voos nacionais e internacionais por preços bem econômicos)?

Dica: Se você quer enfatizar que esse é um diferencial da sua empresa, busque ter na ponta da língua em quanto % mais barato seu produto é em comparação com semelhantes. Ao ter somente esse atributo como diferencial, tome cuidado para não evitar uma desenfreada corrida por diminuição de preços junto à concorrência e canibalizar sua empresa e o mercado. Também tome cuidado com suas margens ao diminuir significativamente seu preço e tenha uma estrutura de despesas proporcional.

  1. Novidade: Os produtos e serviços da empresa satisfazem um conjunto inteiramente novo de necessidades que os clientes não percebiam anteriormente porque não havia oferta similar (por exemplo, telefones celulares quando foram lançados)?

Dica: Uma das coisas que mais escuto de um empreendedor é: “não temos concorrente, não conhecemos ninguém que esteja fazendo algo parecido”. Se você está acostumado a dizer que está fazendo algo novo demais, cuidado! Provavelmente uma das hipóteses abaixo vai te contradizer:

- Ou alguém já fez a mesma coisa que você no passado e descobriu que não havia demanda e quebrou ou desistiu no meio do caminho (“Shame on you” por não ter pesquisado o suficiente e ter insistido no erro);

- Se você não encontrou uma solução em algumas buscas no Google, não tenha a pretensão de dizer que não tem ninguém fazendo nada parecido. Você consegue ter certeza e dizer na frente de um investidor que nenhuma das mais de 7 bilhões de pessoas no planeta não está tentando resolver esse problema de alguma forma?

-  Talvez você esteja a frente demais desse mercado e construindo um produto que só terá demanda no futuro. Portanto, reflita sobre as necessidades e problemas atuais dos seus consumidores. Quem nunca ouviu alguém dizer que inventou o Dropbox e o Youtube há 15 anos atrás, mas que na época seu projeto não foi para frente;

- Por mais que você acredite que não exista um produto concorrente, as chances de existirem produtos/serviços substitutos é de 99,9%. Se pergunte: “Se eu não existisse, como meu cliente resolveria esse problema ainda que de forma parcial”?

  1. Performance: A sua empresa melhora significativamente produtos e serviços já existentes (PCs, por exemplo, ou a Athenas, na indústria de portos)?

Dica: Aprenda a medir o quanto seu produto/serviço consegue gerar de rapidez, otimização ou ganho de produtividade ao seu cliente?.

  1. Conveniência / Comparabilidade: A sua empresa torna as coisas mais convenientes / mais fáceis de usar (exemplo: Discman e iTunes)?

Dica: Quantas pessoas pararam de escrever carta após usarem e-mails? E você, hoje em dia já resolve algumas questões de trabalho por Whatsapp ao invés de trocar e-mails? O aumento da conveniência gera mudanças de comportamento que, na maioria das vezes, são irreversíveis.

  1. Customização: Os produtos e serviços da empresa atendem a necessidades específicas de clientes individuais ou segmentos de clientes?

Dica: Muitas vezes, a palavra customização é associada como inimiga número 1 de escalabilidade. Em geral, a customização de serviços está associada a serviços de consultoria ou atendimento específico para um nicho de clientes com características muito semelhantes. Apesar dessas premissas não serem falsas, elas também não são verdade absolutas, pois existem serviços como “private label” que permitem a venda de um serviço padrão para um cliente que paga por uma tecnologia/plataforma, e a caracterização desta é feita pelo próprio cliente atendendo a seus interesses específicos. Nesse caso, a empresa fornecedora cria um “produto de prateleira” e oferece a oportunidade com que o cliente faça os ajustes que forem necessários a partir de um produto matriz.

  1. Design: Os produtos/serviços da empresa possuem um design superior (difícil de medir, particularmente importante na moda e setores de eletrônicos para consumo)?

Dica: Certamente, esse é um dos atributos mais intangíveis que existem e nem sempre são percebidos pelos clientes. Se você acredita que a sua empresa tem este diferencial em seu produto/serviço, busque comunicar ao seu cliente quais são os benefícios ao adquirir esse produto, principalmente no que tange à qualidade, exclusividade, praticidade e diferenciação.

  1. Marca / Status: Os produtos / serviços da empresa tem uma marca superior e diferenciada (por exemplo: Rolex, Ferrari)?

Dica: Em geral, esse atributo está mais presente em produtos premium ou de luxo dentro de uma categoria que buscam uma diferenciação por meio dos valores e percepções atribuídas à uma marca. Apesar de existirem alguns casos de empresas que desde o momento de criação já nasceram reforçando a marca (como a Aquim com chocolates de luxo e Bacio de Latte na categoria de sorvetes diferenciados), essa é uma estratégia que pode ser arriscada para quem está começando agora, pois ainda não há tradição e identidade com consumidor, uma vez que o cliente nunca ouviu falar sobre você e pode não estar convencido sobre o porquê dele precisar gastar muito mais dinheiro para comprar seu produto por causa da sua marca forte. Se você acredita que este é um atributo de seu produto/serviço, busque atrelar à ele outros diferenciais ligados à qualidade que justifiquem o status e posicionamento.

  1. Redução de custos: Os produtos e serviços da empresa ajudam os clientes a reduzir os custos ou a economizar tempo, dinheiro (por exemplo, MaxMilhas.com.br com passagens aéreas ou Salesforce.com)?

Dica: Ainda que a redução de custos varie para cada cliente, foque em criar casos de sucesso e ter desde o início do projeto indicadores que tragam uma informação apurada sobre o quando seu serviço/produto está impactando na diminuição dos custos. Uma forma comum de estratégia de precificação nesse caso é cobrar por um percentual do que foi economizado.

  1. Redução de riscos: Produtos e Serviços da empresa ajudam os clientes a reduzirem os riscos em que incorrem ao comprar / usar produtos ou serviços similares?

Dica: Esse diferencial está muito presente em empresas de business intelligence e Big Data. Está geralmente associado a utilização de informações para predição de riscos ou oferecer inputs para um investimento. A WeDemand oferece uma plataforma de inteligência para que artistas possam se comunicar melhor com seu público e otimizar a turnê de seus shows, de acordo com as preferências de seu público espalhado por diversos países.

  1. Acessibilidade: A sua empresa torna Produtos e Serviços disponíveis para clientes que anteriormente não tinham acesso (ex: PagPop oferecendo solução de mobile payment e Órama, oferecendo acesso a fundos de investimento)?

Dica: Essa proposta de valor está intimamente associada a ganhos de escala e crescimento, pois permite que empresas ampliem a fronteira de clientes potenciais ofertando seus produtos/serviços para uma nova parcela da população que antes não tinha acesso ou formas de consumir. Inovações como o Bitcoin tem esse propósito ao permitir que bilhões de pessoas possam transacionar dinheiro sem necessariamente ter uma conta bancária.

  1. Time: É muito comum escutar de empreendedores que seu time é seu maior diferencial. Ter um bom time é, de fato, condição básica para qualquer negócio de sucesso. Esse é o primeiro critério avaliado quando uma empresa aplica para a 21212, até porque, apesar de clichê, são as pessoas que movem uma empresa. Quem não ficaria tentado a investir em uma empresa que o Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles estivessem começando?

Dica: No entanto, este não pode ser o único diferencial ao convencer um cliente ou um investidor que você tem um ótimo produto ou serviço. Até porque, não basta você ser bom. Se você quer crescer, precisará de novas pessoas para compartilhar seu sonho e precisará também ser bom em selecioná-las, capacitá-las e retê-las. Uma empresa bem-sucedida não pode estar focada em “one man show” e deve ter uma cultura forte respirada e vivida por todos que fazem parte dela. É preciso haver processos que garantam a qualidade do produto/serviço que será entregue, independentemente de quem está por trás tocando o barco.