Na coluna semanal “Confissões de um Acelerador”, Frederico Lacerda, co-fundador da 21212 e responsável pela seleção e operação do programa de aceleração da 21212, compartilha lições aprendidas durante o seu dia a dia junto às startups.

Todos os empreendedores são conhecidos por serem apaixonados pelo que fazem e pelo produto que criaram. Se você é um empreendedor ou conhece alguém que é, sabe muito bem que qualquer um nessa posição acredita muito no potencial do seu negócio e estaria disposto a (quase) tudo para fazê-lo dar certo.

Um dos grandes desafios dos empreendedores é justamente lidar com a paixão que eles sentem pelos seus negócios e produtos. A paixão deve estar na visão em resolver um problema que muitas pessoas têm, e não na solução em si. É um pouco daquela história de curtir a jornada, e não se prender tanto ao destino. Tudo isso porque no empreendedorismo digital o destino (o seu produto) pode mudar radicalmente ao longo do tempo, baseado em validações e feedbacks dos clientes e do mercado.

No curso “Como colocar a minha ideia no papel?“, da 21212 Academy, explico a diferença de um modelo de negócio sob a perspectiva do empreendedor e do cliente, conforme abaixo:

O PRODUTO DO EMPREENDEDOR

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Os empreendedores estão em geral apaixonados pela sua solução, colocando-a acima de qualquer outro elemento do modelo de negócios. Eles querem começar a desenvolvê-la o mais rápido possível, sem saber antes se esta solução resolverá um problema real de um grande número de pessoas. O maior medo dos empreendedores é descobrir que a solução incrível que eles imaginaram ser o próximo Facebook não dará certo, o que aumenta exponencialmente a sua chance de fracassar, já que clientes não compram produtos que não resolvem os seus problemas.

O PRODUTO DO SEU CLIENTE

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Se olharmos para o seu produto sob a perspectiva do cliente, descobrimos que ele não se importa com a sua solução. As pessoas não acordam um dia e decidem que querem comprar um produto desenvolvido em Ruby, com mais funcionalidades do que a concorrência e com um design bonito. O que realmente importa para elas é a promessa que produtos e marcas entregam ao propor resolver um problema real que elas possuem (e que muitas vezes elas mesmas não sabem definir tão bem qual é). A promessa, conhecida no modelo de negócio como “Unique Value Proposition”, é a intercessão dos problemas dos clientes e da sua solução.

Um exemplo prático: o caso Configr

A Configr, que já foi citada no 1º post do Confissões de um Acelerador, é um exemplo perfeito da diferença entre criar um produto sob a perspectiva do empreendedor e um produto sob a perspectiva do cliente. Vamos lembrar o que a Configr faz:

A Configr oferece toda a infraestrutura necessária para negócios online de forma simples e rápida, sem necessidade de conhecimento técnico. Servidores na nuvem, hospedagem, domínio, email, monitoramento e um suporte incrível: tudo trabalhando em harmonia para permitir que você possa se preocupar apenas com o seu negócio.

Quando chegou na 21212, a Configr já possuia um produto lançado e alguns clientes. Os três sócios fundadores da empresa são técnicos e, consequentemente, a abordagem do produto era extremamente técnica. O problema que a empresa resolve é bastante grande – a ponto de quase todas as empresas do escritório terem se tornado clientes ou leads logo na primeira semana -, mas a promessa (ou Unique Value Proposition) que a Configr oferecia só era entendida depois de 1 hora de conversa com os sócios fundadores. Algo que definitivamente não é escalável e não levaria a empresa a um outro patamar.

O principal desafio no primeiro mês de aceleração não foi desenvolver a tecnologia (apesar de algumas funcionalidades chave que continuaram sendo desenvolvidas), e sim traduzir o produto que já havia sido desenvolvido e que era apresentado com paixão pelos empreendedores em um produto que também pudesse ser entendido (e amado!) pelos clientes. Um desafio de validação de hipóteses, testes e avaliação de métricas.

Vamos ver como isso se resumiu na prática:

HOME ANTIGA

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Na Home antiga da Configr, o produto era apresentado (1) como “the easiest way to manage and deploy your applications on your own private cloud”. E o produto prometia aos clientes (2) “full control over your applications: your applications running on your servers and under your control”. Além de utilizarem termos técnicos, como “deploy” e “applications”, a Configr possuia um site primário em inglês (“Caro cliente, se vire para traduzir e entender!”).

HOME NOVA

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Na nova Home da Configr, a proposta de valor principal (1) foi simplificada para o que realmente importa: “Nós cuidamos do seu website para você focar no seu negócio: hospedagem, email, domínio, monitoramento e um suporte incrível”. Além disso, a promessa deixou de ser apresentada como “controle total sobre as suas aplicações”, passando a ser representada pela comparação entre o trabalho pesado que dá para gerenciar cada uma das partes da infraestrutura de um website por conta própria e a simplicidade da gestão dessa mesma infraestrutura com o produto da Configr. Por último, o website ganhou uma ferramenta de “tradução”, que traduz o site entre uma linguagem mais leiga (como na figura 4) e uma linguagem mais técnica, para desenvolvedores que buscam um produto mais complexo.

ONBOARDING ANTIGO

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O onboarding antigo (ou seja, o passo a passo para contratar o serviço da Configr) era extremamente técnico, conforme vemos na figura 5. Era exigido do usuário a contratação prévia de um servidor por conta própria (1), o que representava uma quebra enorme no fluxo do produto e um desafio técnico. Além disso, era necessário incluir os dados do servidor por conta própria (2), algo que apenas pessoas que já entendem de gestão de servidores poderiam fazer.

ONBOARDING NOVO

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O novo onboarding da Configr foi totalmente redesenhado. A primeira grande mudança foi na contratação de servidores (1), que passou a ser feita automaticamente pela própria Configr, tornando-se transparente para o cliente final (no exemplo acima, o servidor contratado é o de categoria “Profissional: bom para startups com websites de alto tráfego”). Já o fluxo de contratação do serviço (2) se tornou extremamente simples, a ponto de qualquer pessoa sem conhecimento técnico conseguir utilizar o produto. Agora os usuários precisam apenas escolher um domínio (que pode ser inclusive registrado pela própria Configr) e em qual plataforma (WordPress, Woocommerce…) querem ter o website, e a Configr faz todo o trabalho por trás das cortinas, entregando em apenas 4 passos um website hospedado, com domínio registrado, e informações de login e senha para edição.

Conclusões

O exemplo da Configr é perfeito para representar a diferença entre criar um produto para você ou criar um produto para o seu cliente. A tecnologia não mudou e o time é o mesmo, mas o produto passou a ser visto de forma completamente diferente pelo mercado. O novo design e fluxo do produto estão sendo implementados enquanto vocês lêem este caso, e mais novidades virão nas próximas semanas para simplificar ainda mais a linguagem e a proposta de valor da Configr, mas já foi possível perceber uma mudança clara nas métricas do website, com uma conversão muito maior de clientes em cada etapa do funil. A Configr também passou a ser vista por agências como uma ferramenta simples que pode facilitar as suas vidas ao criar websites para clientes, já que toda a parte técnica pode ser automatizada e centralizada dentro de uma única plataforma.

Está na hora de olhar para o seu negócio e entender que tipo de produto que você criou: um produto do qual apenas você gosta ou um produto que também é amado pelos seus clientes?